ah... posso chamar de 'liberdade poética' continuar usando o português que eu aprendi na escola? tenho apego com alguns hífens e acentos. :)

sábado, 31 de outubro de 2009

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O melhor escolhedor-de-palavras EVER *

"Fragmentos disso que chamamos de "minha vida".
Há alguns anos. Deus — ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus —, enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor. E você sabe a que me refiro.
Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer — eu já estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom. Não me entenda mal — não aconteceu qualquer intimidade dessas que você certamente imagina. Na verdade, não aconteceu quase nada. Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos, com aquele mesmo descuido, de "minha vida". Outros fragmentos, daquela "outra vida". De repente cruzadas ali, por puro mistério, sobre as toalhas brancas e os copos de vinho ou água, entre casquinhas de pão e cinzeiros cheios que os garçons rapidamente esvaziavam para que nos sentíssemos limpos. E nos sentíamos.
Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum. E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. Nada de mal me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa. Os olhos da outra pessoa me olhavam e me reconheciam como outra pessoa, e suavemente faziam perguntas, investigavam terrenos: ah você não come açúcar, ah você não bebe uísque, ah você é do signo de Libra. Traçando esboços, os dois. Tateando traços difusos, vagas promessas.
Nunca mais sair do centro daquele espaço para as duras ruas anônimas. Nunca mais sair daquele colo quente que é ter uma face para outra pessoa que também tem uma face para você, no meio da tralha desimportante e sem rosto de cada dia atravancando o coração. Mas no quarto, quinto dia, um trecho obsessivo do conto de Clarice Lispector "Tentação" na cabeça estonteada de encanto: "Mas ambos estavam comprometidos.
Era isso — aquela outra vida, inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém veria.
Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania. "

* Caio Fernando Abreu

Não parece que tá dentro da cabeça da gente, o danado?
Tô obcecada.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

the bright side

Esperança, fé na vida, de que tudo vai dar certo, é um negócio engraçado: quando a gente mais precisa é quando a gente menos tem.
Do meio do escuro, do caos, da merda, é tão dificil enxergar " o grande plano", alguma coisa boa lá na frente, que esquece que isso tudo aqui é uma gozação ( Ó os caras do Monty Python falando aí embaixo que 'life is quite absurd' - e não é mesmo? )
Assoviemos.

(Just to sheer you up Y)

Let's make fool of ourselves and keep going ;)

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

rapunzel

Na escadaria do York Minster, as três falando sem parar, muita conversa pra botar em dia e uma frestinha de sol imperdível ali.
Ela se aproxima dizendo que o vento jogava umas palavras pr'aquele lado e deu pra identificar o nosso português. Queria que tirássemos uma foto.
Viajava sozinha pelo Reino Unido, tinha o roteiro todinho preparado em conjunto com o atual marido, que morreria de ciúmes caso ela ficasse em Londres, onde ela levou o filho do casamento anterior pra visitar o pai. Engraçado gente que fala 'bagarái'!
Sabia que em York ficava a menor rua do mundo: Whip-ma whoop-ma-gate (!) Essas coisas de turista planejado.
Fez poses malucas pras fotos enquanto contava a vida toda, balançava as tranças loiras meio rapunzélicas e soltava gargalhadas. Uma figura!
Num dado momento, para explicar algo sobre o peso da mochila, contou que há 2 ou 3 anos teve tetraplegia. Eu preferia que o nome não fosse tão auto-explicativo, porque 'como assim existe uma coisa dessas'? Como assim a pessoa fica tetraplégica sem sofrer acidente?
No caso dela, simplesmente chegou em casa, sentiu muito, muito sono, deitou no chão e não se mexia mais. O marido e os filhos de 1 e 5 anos a encontraram ali, no meio da sala.
Se me lembro bem, ficou cerca de 6 meses tetraplégica, passou por cirurgias experimentais onde se opera as vértebras pela frente ( !!! ) e teve que reaprender os movimentos.
Como se não bastasse, encasquetou que voltaria a andar para fazer o caminho de Santiago. Os médicos achavam muito improvável, mas a doida tem feito o caminho todos os anos desde então.
Contou que era workaholic antes disso tudo e acabou revendo as prioridades na vida.
É natural, né? rever...
Eu mesma revi a minha vida toda ali, embasbacada, enquanto ela falava.
Mas e mudar mesmo? e fazer tudo diferente do que vc sempre fez? e cuidar da sua vida como a prioridade que ela de fato é?
A gente vai levando, a gente aguenta, a gente não quer ser taxado de molenga, né?

A Rapunzel lá do Minster teve que mudar ( tá bom que ela pôde mudar, a condição financeira facilita bastante, mas não é tudo. Precisa de vontade mesmo assim)
Eu não sei como ela era antes, mas ela fala dessa tragédia toda sem nenhum ressentimento, sem nenhum "por que eu?!"
Ela vai que vai, com jeito de menina, de tênis e mochila leve, protegendo sua coluninha 'remendada' pela UK ;)
E eu pensei no dia que minha coluna travou na Av Angélica, no tanto de coisa que me estressa e não devia, no peso que eu carrego sem precisar.
Pensei que ela foi embora sem sabermos seu nome ou tirarmos uma foto e - porque eu sou assim clichezística - não queria nunca esquecer de como eu me senti ao ouvir a historia dela. Uma mistura de gratidão e medo de não apreciar o suficiente o quanto a vida é Bôôôua..

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

retineitor de gente

Desconfio viver num mundinho a parte.
Um mundo onde feia é aquela pessoa impossível de conversar.
Pessoa chata, vazia, sem educação me dá um siricotico que eu não consigo olhar na cara direito. Não importa o manequim, cor dos olhos, maxilar desenhado, o que for. É feia.
Infelizmente, seguindo essa lógica, tem um monte de belezura por aí que entra nessa categoria justamente por dar tanto valor ao visual, às caras e bocas, que não sobra nada que se possa realmente aproveitar no convívio social, sabe?
Mais feio ainda é quem julga os outros de acordo com esses padrões estéticos restritos e faz da suposta beleza um clubinho. Eu ouço diariamente gente-até-nem-tão-bonita se recusando a dar sua atenção-vazia a pessoas que elas não consideram esteticamente aprazíveis, como se não pudessem se misturar, como se elas não pudessem lhes acrescentar nada. Tenho um pouco de dó. Tento acreditar que seja uma questão de maturidade, o "borbulhar dos hormônios dos vinte e poucos anos", tão tolos... rs.
Mas talvez assim seja o mundo todo lá fora, fora do meu mundinho, uma coisa de louco(!): Fiquei assustadíssima outro dia, folheando uma revista Nova.
Em um artigo eles encorajavam a "mulher-de-Nova" a ousar sair com um nerd, mesmo que ele não tivesse a aparência do homem que "nós" procuramos... pq poderíamos nos surpreender e blablablá. E assim seguiam em outras matérias da revista, ditando o comportamento dessa mulher-de-nova.
Minha gente, quem é a Mulher-de-Nova?
Uma espécie de vagabinha que se preocupa se vai ter que transar com o cara caso o deixe pagar a conta do jantar? Que aliás, se mata com essa preocupação maldita de rachar ou não a conta do jantar porque tá acostumadinha a viver as custas do papai? Que precisa de um troféuzinho gato-sarado-rico, não importando que seja um narcisista chato de galocha? ( tudo isso tinha lá na riviiista! oh my! Tudo bem, ninguém me obrigou a ler a Nova... mas credo, que piriguetagem!)

Olha... se o mundo estiver assim.. pó parando que eu quero descer.
Really.
Mulheres e Homens "de Nova" vcs estragam o mundo. Ele fica lindo, curvilíneo, reluzente e vazio.

Isso tudo me deixa triste porque eu gosto do efeito inverso. De descobrir beleza. Daquela pessoa que vai se tornando irresistível a cada minuto de conversa.
Daquela que até tem traços perfeitos, mas não se vale só disso. Pode não ser um Ás da cultura geral, mas é curiosa, aberta. Gente bonita que acrescenta ou que , pelo menos, não atrapalha.

Gente que sorri. Porque até sorriso feio é bonito.

Eu vivo repetindo por aí que coisa bonita faz bem, que é importante estimular a retina com beleza e tal... Mas retineitor de gente é diferente.

Perto de mim eu quero cada vez mais esse encantamento, esse je ne sais quoi daqueles que fazem o convívio valer a pena e cada vez menos precisar perder meu tempo com essa superficialidade nhaquenta da beleza oca.
E, ah... ler Nova só no cabelereiro e com o devido 'distanciamento'!

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

home

(ou Orquídeas voltam a florir )

Na minha casa quase nunca tem flores frescas.
Embora eu ache que elas são praticamente 'felicidade instantânea'. (amo!)
Acho que eu fico com medo de não saber cuidar direito e fico triste quando elas morrem e tem que partir.
Ou talvez não queira/saiba ter trabalho com outro ser vivo que não seja eu.
Ou esteja, apenas, sendo um pouco negligente com algo que pode me fazer bem.

Na minha casa tem um jogo de copos bonito na cozinha, mas as vezes eu fico com dó ( ou apego, ou cacoete-de-pobre) de jogar fora um copo de requeijão.
Mesmo achando que a vida é melhor sem copos de requeijão, tem um ou outro lá misturado que eu acabo até usando.

Uma casa, as vezes, é perfeita pra nossa vida durante um certo tempo, mas uma hora pode começar a não se encaixar.
Daí, ou a gente se muda dela ou a gente bota tudo abaixo e encara a bagunça que a reforma traz pra deixar ela linda e com sentido pra gente de novo.

Hoje eu fiquei pensando que viver é como ter uma casa. Que a nossa vida não deixa de ser a nossa casa.
Eu não sei se a metáfora funciona muito bem mas as vezes não dá pra arrumar tudo de uma vez. As vezes a gente sabe como gostaria que ela fosse, mas não consegue fazer. As vezes ela parece em ordem, mas na verdade só está uma coisa em cima da outra. Ou tá aquele caos que só a gente consegue se achar.
Ó, até com certo conhecimento profissional ( rs..) eu posso dizer que não adianta só projeto, planilha, orçamento e prazos em dia, a casa mesmo se faz com o tempo, vivendo, um dia depois do outro. De repente um canto que sempre pareceu ok, começa a precisar de um pouco mais de cor. As vezes é simples assim, como comprar uma almofada nova ou uma lata de tinta. As vezes nem tanto.
É a vida.